'A minha Arte é um prolongamento da minha vida' |
Fonte: Carlos Gonçalves - Angola Digital | |
Especial AD. O Canal Arte e Cultura apresenta uma entrevista com um dos mais expressivos artistas plásticos angolanos: Etona. AD: Tona, a arte prolonga a vida... Tona: Sem dúvida. A arte é justamente o dia-a-dia do povo angolano. É o resultado de tudo isso que nos aconteceu entre o político, o social e o económico. AD: Como é que um dos mais expressivos e prolixos dos artistas plásticos angolanos vê a vida dos angolanos? Com que olhar? Tona: É por isso que o artista, quando se demarca para a arte, passa a ser o olho clínico da sociedade, avaliando o positivo e o negativo. A nossa sociedade hoje é o resultado sobretudo de alguns males que nos aconteceram. É o resultado das acusações externas e, aqui sim, é onde entra o papel do artista, no sentido de transformar e criar registos que sejam fontes de informação para gerações vindouras. AD: O Tona está referenciado pela crítica internacional como um dos artistas africanos mais progressivos e mais interessantes. Ao que é que corresponde exactamente isso? É possível senti-lo aqui em Angola? Tona: Aqui em Angola é um pouco difícil, por questões de educação e cultura. Somos ainda um país novo com essa nossa geração como uma geração de passagem, ainda marcada pela guerra. É por isso que nas minhas deslocações procuro ao máximo observar e aprender o que é a arte, hoje uma ciência profundamente estudada em Universidades e que produz uma mensagem que devemos levar às futuras gerações. Daí a importância da crítica. E no plano internacional ela é produzida com ciência, vai até aos pormenores para poder separar o original do copiado. Desde o Século XIII que os nossos antepassados produzem a chamada simbologia africana, as mascaras, etc, tidas como obras preponderantes na arte africana hoje, então eu salto aqui etapas e numa forma de investigação atenta vou construindo a minha arte. Passei 4 anos na tropa pintando retratos de camaradas, chefes militares como Hoji Ya Henda, do próprio Presidente José Eduardo dos Santos e passei desse exercício meramente técnico para um conceito mais avançado e, enquanto aqui se dizia que eu estava a fazer artesanato, a crítica internacional reconhecia algo naif. AD: O Tona chega a criar algo novo... Tona: Hoje não se pode mais inventar o cubismo e o expressionismo. Não fui eu quem inventou o termo “etonismo”, apenas tentei fazer algo diferente, quebrar o normal no plano académico. É por isso que a crítica tem aconselhado os governos africanos a apoiar a obra do Tona, porque surgiu mostrando uma nova época. São os críticos que se referem a isso. Agora aqui em Angola muitos dos nossos colegas não aceitam bem isso e dizem que os críticos não entendem nada de arte africana, mas você vive lá fora sabe bem que a marca africana atinge grande expressão hoje no mundo das artes. Tem pouca expressão, até mesmo em África, mas no resto do mundo está em alta e não se pode banalizar a crítica de grandes investigadores. Temos que respeitar para não passarmos por ignorantes. Até porque muitos deles viveram e vivem em África e não produzem avaliações gratuitas. O “etonismo” surge desse processo, em que o investigador Patrice Katchicama defende que Angola deve aproveitar ao máximo a criação de uma corrente artística de nível mundial. AD: Não é fácil sustentar um conceito desses com tanta contradição interna... Tona: Mas estamos a lutar. A lutar de forma singular, mas tentando sensibilizar os nossos governantes para a colocação do nome de Angola ‘lá em cima’. AD: Quer dizer que desde o surgimento do cubismo de Picasso, que se relaciona directamente com a arte africana, que não surgia um movimento tão interessante para a crítica internacional em que os artistas são vistos como contribuintes para o desenvolvimento do continente? Tona: Penso que sim. Desde a revolução industrial que os artistas participam desses processos na Europa. É esse chamamento que eles fazem aos nossos dirigentes no sentido de apoiar os artistas que são os criadores. Em termos africanos estão referenciados 24 e nesses 24 está lá o nome de Angola, representada pelo Tona. É um alerta para apoiar um renascimento. Porque isso já é uma marcação da história. AD: O Tona está preparado em termos artísticos e culturais para responder a esse desafio? Tona: Acho que sim, só o facto de lá ter chegado fala por si. É algo que está em mim. Por exemplo, eu tenho um atelier de pintura e escultura em Portugal que esteve de certa forma abandonado enquanto desempenhava o meu mandato de Secretário da União dos Artistas Plásticos Angolanos (UNAP), mas estou a reenquadrar-me. Fui chamado agora em Nairobi para participar de um painel onde se vai discutir a mutilação genital feminina, a poligamia e a democracia em África; só para o Carlos ver até onde vai a responsabilidade do artista Tona. Isso é então seguramente um reconhecimento do artista. Mas acho que o artista não deve estar ‘solteiro’ quando leva a bandeira nacional para o exterior. AD: O Tona dirigiu até há pouco tempo a União dos Artistas Plásticos. O que é que falta para que se articulem os interesses do país com a missão dos artistas? Tona: Isto é um problema que já vem de longe. Posso dizer que por razões de sobrevivência. Hoje, o Estado angolano elegeu outras prioridades e os bancos de dados ainda estão trocados. Uma das formas que o “etonismo” contesta tem a ver com um certo tribalismo e regionalismo que às vezes são postos na arte; isso é uma forma negativa de estar na vida. Eu sou do Mpla e o que me levou para lá foi uma ideologia positiva. Se fosse negativa não teria ido, mas nem sempre o homem é puro para dirigir e aplicar certas ideologias. AD: Mas há hoje um perfil definido do artista plástico angolano? Tona: O artista está inserido na sociedade e também é um ser humano. Em termos de defesa do conceito artístico, não pode vender uma obra e depois gastar todo o dinheiro bebendo cerveja, senão é um comerciante. Hoje confundimos muito um técnico de pintura com um artista. Às vezes nem sequer é pelo facto de frequentarmos a escola superior de Artes que saímos de lá artistas. Entre nós basta um curso médio para ser rotulado de artista plástico e isso é destruir o país, porque não é fácil encontrar um artista reconhecido como tal. Falo em termos de conceito elevado, porque na base somos todos artistas. AD: És um artista urbano? Tona: Não, eu acho que faço uma ponte. Recebo gente que vem de muito longe para falar comigo e falamos até dos problemas familiares e, no fim, há o espanto de ter falado com o Tona, porque a ideia é que só me encontro com os presidentes dos Bancos e Ministros. AD: Nesta Conferência de Nairobi no fim do ano, onde vai falar de vários problemas do continente, o que destacará, por exemplo, de positivo em relação ao nosso país? Tona: Sem dúvida o fim da guerra e o empenhamento do próprio Presidente para isso. Acho que merece a sua glória, porque a guerra estava a tornar-se num negócio perigoso. Isso é, a todos os níveis, uma vitória. AD: Uma última questão. Noto poucas mulheres a trabalhar nesta sua área... Tona: Porque não é fácil. Nós, os homens, para fazer Arte é já uma grande aventura, porque quem consome a nossa obra? Eu produzo uma semana, um mês inteiro, no fim o trabalho pode ficar por ali, porque não tem um consumidor. Às vezes até estranhamos quando vem alguém da diáspora e vende vinte quadros. Quem compra? O nosso mercado é um mercado de ficção. Questiono-me em relação aos nossos intelectuais, quem são eles? É uma lacuna e, quando algum se destaca, procura logo isolar-se e até sair do país. É um mal até geral para África cujas revoluções estagnaram nos anos 70. Daí a necessidade de se construírem novas revoluções onde somos chamados a alterar a ordem das coisas. Eu agradeço uma conversa que tive um dia com o mais velho Mendes de Carvalho quando ele me disse: “Tona, eu reconheço a tua luta, mas só tu não bastas. Nós libertámos o país, trouxemos a independência, mas vocês estão acoitados. Ninguém quer lutar para nos tirar os lugares, estão acomodados com o que se conquistou”. Saí do seu gabinete sensibilizado. É um Mestre aquele homem. |
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